Selic. Qual o papel da taxa básica de juros?

No meu último texto, escrevi sobre a Inflação. Para este texto sobre a Selic, o tema inflação vai aparecer algumas (sinceramente, muitas) vezes, já que a taxa de juros é, na verdade, uma das ferramentas de politica monetária que, junto com outras práticas, visam expandir ou restringir o crescimento econômico de um país. No texto, falei brevemente sobre o papel do banco central em bater a meta de inflação estipulada pelo Conselho Monetário Nacional. E é exatamente neste contexto que a taxa básica de juros do nosso país, a Selic, entra.

Em resumo, a taxa de juros reflete o custo mínimo de capital de um país. Isso significa dizer que ela é a base para outras taxas de captação de recursos. Esse preço de captação de dinheiro vai refletir, no final das contas, na economia como um todo. Se temos uma taxa muito alta, conseguir capital para investimentos vai ficar mais caro. Quando o custo do capital é mais baixo, pegar capital emprestado é mais barato, e as empresas e indivíduos conseguem se capitalizar. Fica fácil se você associar com taxas de um empréstimo. Quanto mais barato, mais dinheiro você estará disposto a tomar.

O papel do banco central, como disse William McChesney Martin, Presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos (1951–1970) “é levar a poncheira embora assim que a festa começa a ficar animada”. Em outras palavras, quando uma economia está indo bem por muito tempo, o papel do banco central é certificar-se de que a inflação fique controlada. Já quando a economia vai mal, novos investimentos começam a ficar inacessíveis e a renda da população se percebe diminuída, eles atuarão de maneira a “injetar” dinheiro na economia. Isso não é de forma direta quando estamos falando de taxas de juros, mas facilitam o acesso a capital novo.

Enquanto os momentos de super aquecimento trazem efeitos inflacionários e a consequente desvalorização da moeda, os momentos de economia desaquecida trazem problemas relacionados à desemprego e redução de renda, como discuti aqui. O cenário econômico é fluído e muda a todo momento, e para cada uma das situações, as taxas de juros serão aplicadas de maneiras distintas.

Não esquece de conferir nos itens abaixo o papel da Selic no endividamento do país e no olhar do mundo para o nosso país. Isso é tão relevante para o futuro econômico do país quanto o controle inflacionário.

Políticas restritivas e políticas expansionistas.

Quando o cenário inflacionário começa a sair de controle, com inflação alta e acima da meta, a atitude do banco central será, geralmente, restritiva. Isso significa que tomarão atitudes para restringir o crescimento econômico, o que será feito, em nosso contexto de taxas de juros, aumentando a taxa básica de juros. Isso encarecerá o custo do capital, levando a uma consequente dificuldade de captação de novos recursos pelos agentes econômicos, dificultando também o crescimento e o consumo em geral. A empresa vai emprestar menos dinheiro, e vai diminuir seus investimentos. Os empregados receberão menos, e consequentemente consumirão menos, diminuindo as receitas das empresas.

Já quando o cenário é oposto, e temos uma economia estagnada, onde o consumo é diminuído e temos dificuldades por parte das empresas e indivíduos em tomar dinheiro, o desemprego começa a assombrar mais gente que o normal, e muitos veem sua renda diminuída ou zerada. Neste caso, espera-se que a política da taxa de Juro adotada pelo banco central seja de redução, o que entendemos como política expansionista. Reduzir as taxas, como você já deve imaginar, facilita o empréstimo e o acesso a capital, alimentando e injetando dinheiro na economia.

COPOM e a Selic Meta.

Quando falamos de Selic, precisamos sempre lembrar que existe um Comitê específico do Banco Central do Brasil responsável pela elaboração da Meta da Selic. O COPOM, Comitê de Política Monetária, é formado pelo Presidente do Banco Central e por diretores. As reuniões que acontecem a cada 45 dias, tem suas datas divulgadas até junho do ano anterior. Nessas reuniões, que duram dois dias e ocorrem, geralmente, às terças e quartas-feiras, os membros do comitê vão considerar aspectos como inflação, contas públicas, atividade econômica e cenário internacional para a decisão de manter a taxa básica ou modificá-la.

Estas reuniões, por sua relevância perante toda a economia e o mercado, tem o período de silêncio, que começa na quarta-feira anterior à reunião, e terminam na publicação de sua respectiva Ata. Durante o período de silêncio, os membros devem abster-se de quaisquer exposições que envolvam assunto do Copom em debates, imprensa, e até mesmo encontros com os mais diversos interessados no mercado, como analistas, investidores e empresários. Na Ata, os assuntos debatidos e as perspectivas que levaram na decisão final são explicadas. Neste link você pode ver todas as Atas emitidas pelo Copom.

Após a Taxa Selic Meta ser decidida, o Banco Central atuará na economia, por meio do DEMAB – Departamento de Operações de Mercado Aberto, negociam títulos públicos por meio do Mercado Aberto, para deixar as taxas de juros mais próximas possíveis da Taxa Meta. Geralmente, o Bacen vai manter a taxa nas operações levemente abaixo da Meta. Então, se temos uma meta de 3,5% ao ano, a taxa vai operar, por exemplo, a 3,4% a.a. Falo mais sobre isso no tópico mais abaixo: Selic Meta x Selic Over x Índice DI.

Selic X Inflação: comparação histórica.

Já que a Selic é um ferramenta de controle da inflação, que tal fazermos uma comparação histórica dos movimentos destes indicadores ao longo dos anos? Reuni informações históricas dos indicadores da taxa Selic Over e IPCA para cada mês desde janeiro de 1995, até dezembro de 2020, e gerei o gráfico abaixo.

Fonte IPCA: https://www.debit.com.br/tabelas/tabela-completa.php
Fonte SELIC: http://www.idealsoftwares.com.br/indices/taxa_selic.html
Somei os dados dos últimos 12 meses para cada período e cada indicador.

Não posso disponibilizar este gráfico sem fazer a seguinte observação: como a taxa Selic vem sempre como ferramenta de controle da inflação, podemos ver que as ondas de movimentos da inflação sempre vem antes dos movimentos da Taxa Básica de Juros. No gráfico abaixo evidencieis tais movimentos, ligando os topos e fundos de cada linha.

Fica bastante claro nas marcações que os picos e fundos da taxa Selic vem sempre depois da inflação. Isso acontece justamente por que a Selic é definida com um certo atraso em relação à inflação apurada, além do fato de que as mudanças nas políticas levam um tempo para surtir efeito na economia real.

Na seta vermelha, houve uma exceção. Com o mundo passando pela pandemia do Covid-19, tivemos a Selic sendo levada a seu menor valor histórico desde 1995, como incentivo a economia, junto de outros programas de incentivo, como foi o auxílio emergencial.

Selic Meta x Over x Índice DI

É muito comum encontrarmos produtos de investimentos que tem como seu indexador de rentabilidade ou benchmark de referência o Índice DI. Você já pode ter visto nas listagens de produtos de investimentos coisas como 100% CDI ou 120% CDI, 90% CDI, etc.

Quero esclarecer essa coisa de DI, CDI… quantas letras! O CDI, na verdade, significa Certificado de Depósito Interbancário, e estes são títulos de dívida emitidos entre bancos. Então, quando você estiver investindo em algo, ou deixando seu dinheiro lá naquela conta corrente do seu banco digital que rende 100% CDI, na verdade, é 100% do Índice DI. Acontece que o termo CDI caiu no gosto popular pra referenciar o Índice. Então a menos que você seja um banco, você não investe em CDI, ok? Gosto de separar os termos técnicos bem claramente, pois isso agrega em nossa leitura do mercado.

Pois bem. Esclarecidos estamos, então vamos prosseguir.

Eu já disse que o Bacen atua no mercado de títulos para manter a taxa Selic sempre abaixo da meta estipulada na reunião do Copom. E isso é bem interessante, por que isso explica tanto a geração da Selic Over, que é aquela que você vai realmente receber nos seus investimentos atrelados à Selic, como nas LFT (título de dívida do governo atrelado à Selic, conhecido popularmente como Tesouro Selic), mas também vai explicar o Índice DI, que é amplamente utilizado no mundo dos investimentos.

Existe um mercado conhecido como empréstimos interbancários de 1 dia, onde instituições financeiras fazerem empréstimos entre si para fecharem o dia com o caixa em dia. Aqui podemos considerar que o Bacen atua neste mercado, e as negociações são apuradas e as taxas registradas. Quando estes empréstimos tem como garantias títulos públicos federais, a taxa apurada nestes empréstimos é o que vai gerar a Selic Over. Porém, esses empréstimos podem ser feitos usando os Certificados de Depósitos Interbancários, que não necessariamente tem esta garantia, e dessas negociações sai o Índice DI.

Atualmente, este mercado dos CDI tem poucas negociações em comparação ao método dos títulos púbicos, e é por isso que nosso índice DI é praticamente igual à Selic Over atualmente.

Caso não tenha ficado claro pra você, a Selic é estipulada pelo Bacen como uma taxa ao ano, e estes empréstimos são de 1 dia. Então, as taxas destas negociações são bem pequenas, e aplicando um pouco de matemática, encontramos a taxa anual que está sendo operada, e assim, a Selic anual. Não se apegue a isto para suas negociações. Considere a taxa anual em seus investimentos, e faça a equivalência do prazo de permanência. Caso não fique claro, você pode me mandar uma mensagem pelo formulário de contato no meu site, ou consultar alguém de confiança com conhecimento em matemática financeira.

Selic nos investimentos.

Quando falamos de Selic nos investimentos, é preciso ter um cuidado. Os diversos mercados possíveis de investir são tantos, que a ânsia em tomar decisões de investimento baseadas em correlações convencionais podem colocar o investidor a se arriscar de maneira indesejada. E isso se deve principalmente ao fato de que os produtos de investimentos não dependem de um fator isolado. Mesmo assim, algumas ótimas considerações sobre esta relação podem ser feitas para enriquecer as tomadas de decisões de investimento.

Títulos de Renda Fixa: as considerações que devo fazer para estes produtos, é que os títulos com rentabilidade pré-fixadas ou híbridas são mais arriscados em cenários de aumento de taxa de juros, e são mais indicados em cenários de queda de taxa de juros. Isso vale, é claro, apenas se você não levar o título até o vencimento e precisar resgatá-lo a valor de mercado no meio do caminho. Esse efeito ocorre por conta da marcação a mercado (precificação) dos títulos, tema que será abordado mais adiante aqui no blog. Quanto aos títulos pós-fixados, estes são corrigidos pela variação dos indicadores, então, se beneficiam nos cenários onde os outros ficam arriscados.

Ações e outros títulos de renda variável: este é o momento que é extremamente importante que tomemos cuidado. Cada ação ou valor mobiliário tem sua particularidade, e seu contexto econômico. Como convenção temos que, com o aumento dos juros, os investidores vão preferir ativos mais seguros (como os títulos públicos federais) por suas taxas altas, ao invés de arriscarem seu dinheiro na renda variável por prêmios de riscos muito apertados. Ao contrário, temos investidores mais propensos a tomar risco quando os juros estão mas baixos. Novamente, isso são convenções, e não acredito que decisões de investimento devam ser baseadas simplesmente por conceitos simplórios como este.

Impacto da variação dos juros na dívida pública.

Falamos da Selic como parte de nossos investimentos, mas não podemos esquecer que, se ela é uma taxa de remuneração para o investidor, ela é a taxa de juros que o emissor da dívida vai pagar. Então, quando o Bacen aumenta a taxa de Juros do país, ele aumenta também o endividamento do governo, que tem grande parte de sua dívida atrelada à Selic. Por isso o Bacen tem que considerar aspectos macroeconômicos e de endividamento do país para cada manutenção da taxa.

Os governos mundo afora emitem dívida em forma de títulos, e estes títulos fazem parte do endividamento do país. E assim como nós como indivíduos temos mais ou menos capacidade de lidar com dívidas, os países também são avaliados desta forma. Se você é mais confiável, vai pagar taxas mais baixas, pois o risco de você dar um calote é menor. Ao contrário, se você não é bem visto como um bom pagador, você vai pagar taxas mais altas que compensem o risco de emprestar pra você.

Quando falamos de países, o raciocínio é exatamente o mesmo. Temos países mais confiáveis, e países menos confiáveis. Se observarmos as taxas de juros praticadas em países subdesenvolvidos, observaremos taxas de juros mais altas do que em comparação com países desenvolvidos, pois a confiança de crédito dos países desenvolvidos é maior. Por isso, além de controlar a inflação, a Taxa Selic vai atuar também atraindo ou repelindo investimento estrangeiro. Se você tem dinheiro para investir, provavelmente vai preferir investir num país que tem chance de te pagar, ao invés daquele que tem risco de te dar um calote, certo?

Conclusão

A taxa básica de juros Selic vai definir desde a rentabilidade da poupança e investimentos diversos, como definir se um país vai aumentar ou diminuir a sua dívida. Ela vai refletir também o cenário inflacionário do país, e pode nos mostrar quanto arriscado economicamente o nosso país parece em relação a outros. E aí, o que achou deste texto?